Resumo: Como ficam os processos de recuperação judicial durante a pandemia provocada pela COVID-19? Essa é a grande pergunta que paira entre os empresários que buscaram as benesses da Lei de Recuperação e Falências (11.101/05) e tiveram suas atividades prejudicadas neste momento. Assim, para auxiliar empresas submetidas ao processo de recuperação judicial a continuar suas atividades e orientar juízes na condução dos processos em meio a pandemia, o CNJ emitiu a Recomendação n. 63. Além disso, o Projeto de Lei substitutivo 1397/2020 visa amenizar, na medida do possível, os impactos financeiros negativos decorrentes do novo Coronavírus, alterando disposições da Lei 11.101/05.
Diante do cenário de pandemia, oriundo da doença provocada pela COVID-19, muitos empresários vêm questionando sobre o enfrentamento, pelo Poder Judiciário, das consequências verificadas nos processos de recuperação judicial em curso.
Pensando na saúde financeira dessas empresas, muitas medidas provisórias, projetos de leis e até recomendações do Conselho Nacional de Justiça têm sido elaborados, com o fito de amenizar os catastróficos prejuízos causados pela desaceleração da economia, consequência da política de contenção da pandemia ora adotada, qual seja: o polêmico distanciamento social ou quarentena.
Os Tribunais de Justiça de todo o país já vinham proferindo decisões, ainda que sem amparo de disposição legal aplicável, em manifesta preocupação com o impacto dos efeitos causados pela doença COVID-19 nos processos de recuperação judicial, seja no aspecto da saúde humana ou da economia, permitindo, por exemplo, a realização de Assembleia Geral de Credores de forma virtual e a suspensão do cumprimento do plano de recuperação judicial já devidamente aprovado e homologado (vide decisões proferidas nos autos 5020185-14.2020.8.21.0001/RS, 1057756-77.2019.8.26.0100/SP e 0002974-50.2015.8.26.0045/SP).
Nesse sentido, visando auxiliar os Magistrados que não são especializados nessa área, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ – proferiu a recente Recomendação n. 63, de 31 de março de 2020, cujo objetivo precípuo é a adoção de ações no âmbito dos processos de recuperação judicial e falência, na tentativa de mitigar o impacto decorrente das medidas de combate à contaminação que assola o país.
A ideia central da recomendação alhures citada, é permitir que as empresas submetidas ao processo de recuperação judicial continuem suas atividades, cumprindo, por conseguinte, a sua função social, protegendo os empregos e a sua própria economia.
Basicamente, as recomendações elencadas pela instituição são as seguintes:
i) priorização nas análises e decisões sobre levantamento de valores (alvarás), seja em favor de credores ou das empresas recuperandas;
ii) suspensão da realização de Assembleia Geral de Credores presencial, autorizando, por conseguinte, a realização das referidas Assembleias de forma virtual;
iii) prorrogação do prazo de suspensão previsto no artigo 6º da LRF, stay period;
iv) apresentação, pela devedora que já esteja em fase de cumprimento do plano de recuperação judicial, de plano modificativo a ser submetido à apreciação dos credores, desde que comprovada que a diminuição da capacidade de cumprimento de suas obrigações se deu em decorrência da pandemia da COVID-19, incluindo a consideração da ocorrência de força maior ou caso fortuito antes de eventual declaração de falência;
v) que os administradores judiciais continuem fiscalizando as atividades da empresa de forma virtual ou remota, e que os relatórios mensais de atividade sejam divulgados em suas respectivas páginas da internet e;
vi) que sejam apreciadas e deferidas com cautela as medidas de urgência, despejo por falta de pagamento e demais atos executivos de natureza patrimonial em ações judiciais que demandem obrigações inadimplidas durante o estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6 de 20 de março de 2020.
Ademais, importante trazer à baila que atualmente, perante a Câmara dos Deputados Federais, tramita o Projeto de Lei 6.229/05 que pretende alterar a Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei 11.101). Todavia, ante a atual conjuntura econômica que o país vem enfrentando, foi apresentado, recentemente, uma nova sugestão de alteração do referido projeto, com regras transitórias, o PL substitutivo 1397/2020.
As alterações alhures, buscam dar continuidade às operações comerciais das empresas que, em razão da pandemia causada pela COVID-19, se tornaram insolventes ou enfrentam turbulentas dificuldades financeiras. Assim, o projeto preconiza a criação de um sistema de prevenção à crise da empresa, tal como já existe no ordenamento jurídico europeu, principalmente na França.
Em síntese, o referido sistema se daria da seguinte forma: a partir da entrada de vigência da Lei, TODAS ações judiciais de natureza executiva que envolvam discussão ou cumprimento de obrigações vencidas após a data de 20 de março de 2020, bem como ações revisionais de contrato ficarão suspensas pelo prazo de 60 dias.
Findo o prazo citado, o agente econômico que comprovar redução igual ou superior a 30% de seu faturamento comparado com a média do último trimestre correspondente de atividade (conforme atestado por profissional de contabilidade), terá direito ao procedimento de jurisdição voluntária de negociação preventiva.
Isto é, perante o Juízo, o agente econômico realizará pedido de negociação coletiva e, em razão deste, se beneficiará da suspensão temporária (concedida por autoridade judiciária) de todas ações e execuções, pelo prazo máximo de (mais) 60 dias e, durante esse stay period, nenhum credor poderá requerer a falência daquele devedor, executar judicial ou extrajudicial as garantias reais, fidejussórias, fiduciárias, coobrigações, despejo por falta de pagamento, dentre outras medidas.
Ainda, durante o referido prazo de suspensão, cumpre às partes negociantes, a elaboração de um plano de reestruturação negocial o qual não caberá nenhum tipo de resposta, manifestação, averiguação ou perícia. Além disso, independente de autorização judicial, o devedor poderá celebrar contratos de financiamento com qualquer agente financiador para custear sua reestruturação e despesas com a preservação de ativos.
Havendo êxito, finda-se o processo de negociação coletiva com seu devido arquivamento e, na hipótese de frustação da negociação coletiva, o devedor poderá buscar as benesses da Lei 11.101/05.
Além disso, insta gizar que para os processos de recuperação judicial em andamento, as referidas disposições transitórias preveem a suspensão do cumprimento de todas as obrigações previstas no plano de recuperação judicial homologado, pelo prazo de 120 dias.
Ademais, possibilita ao devedor a apresentação de um novo plano de recuperação judicial a ser submetido ao crivo dos credores, mesmo que o anterior já tenha sido homologado pelo douto Juízo Universal, podendo, inclusive, sujeitar os créditos gerados após o ajuizamento do pedido de recuperação judicial à concursalidade do procedimento recuperacional e direito a novo período de suspensão previsto no artigo 6º da LRF.
Assim, resta clarividente que tanto a Recomendação n. 63 do CNJ quanto o PL substitutivo 1397/2020 que propõe alterar o PL 6.229/05, visam amenizar, na medida do possível, as consequências decorrentes da pandemia causada pela COVID-19.
Todavia, importante mencionar que os citados “remédios” divergem opiniões dos mais variados operadores do Direito, isto porque, a maior preocupação é a utilização inconsequente das referidas medidas por devedores que não tiveram seus faturamentos efetivamente prejudicados, mas que mesmo assim se beneficiarão.
Por fim, imprescindível ressaltar que o principal objetivo do processo de recuperação judicial é o soerguimento da empresa que se encontra com sua saúde econômico-financeira prejudicada. Logo, visando evitar prejuízos ainda maiores às referidas empresas já debilitadas, as medidas emergenciais supracitadas se mostram necessárias para preservar atividades empresariais ainda economicamente viáveis.