Por Gabriella Valente [1]
Com cerca de 13 mil startups, o Brasil está entre os 10 países que mais possuem empresas inovadoras, abrigando mais de uma dezena de unicórnios (startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão). Um estudo realizado pela consultoria americana McKinsey & Company e exibido durante a primeira apresentação do evento Brazil at Silicon Valley em 2020, demonstrou que o Brasil se tornou um dos principais polos de inovação e um forte candidato para abrigar mais startups bilionárias nos próximos anos.
Diante de tal relevância para a economia brasileira, veio também a necessidade de criar normas que desburocratizem, reduzam a insegurança jurídica e que estimulem os investimentos em startups no país. Atualmente tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 146/2019, denominado de “Marco Legal das Startups e do empreendedorismo inovador”, o qual já foi aprovado na Câmara dos Deputados e enviado ao Senado Federal. Esse projeto surgiu como uma forma de impulsionar a criação de empresas inovadoras e de estabelecer incentivos aos investimentos por meio do aprimoramento do ambiente de negócios no país.
Destacam-se entre as principais propostas do projeto:
Segurança para investidores – Na prática é comum que as startups busquem investimentos para financiar o início de suas operações. Nesse sentido, o Marco Legal regulamenta que as startups recebam aporte de investidores externos, mesmo que estes não tenham participação no capital social ou na direção da empresa. Ademais, aqueles que investirem seus recursos terão mais segurança porque não responderão por qualquer dívida da empresa, estando resguardados patrimonialmente do incidente de desconsideração de personalidade jurídica, exceto em casos de dolo, fraude ou simulação de investimento.
Opção de compra de ações (Stock Options) – Há a previsão de regras de remuneração diferenciadas decorrentes da outorga de opção de compra de ações (“Stock Options”). Basicamente, empregados e participantes da criação de uma startup poderão trabalhar com um salário efetivo menor, com a contrapartida de receberem futuramente um complemento através de ações da startup, razão pela qual trata-se de uma opção de compra. Essas ações poderão ser vendidas pelos empregados, que receberão o valor justo e com valorização da época da venda delas. Tributos como INSS e Imposto de Renda incidirão somente quando ocorrer a conversão da compra e não incidirão sobre dividendos da valorização das ações. Com isso, visa-se atrair mais profissionais qualificados para dentro das startups.
Investidor-Anjo – O investido-anjo (pessoa jurídica, pessoa física ou fundos de investimentos) poderá fazer aportes na startup sem que haja participação societária ou direito ao voto nas decisões. Porém, fica permitido o acesso consultivo às contas, aos balanços, livros contábeis, situação de caixa e inventário, para fins de acompanhamento do desempenho. O Projeto também prevê: a) que o investidor-anjo não responderá por qualquer obrigação da empresa; b) que será remunerado por seus aportes; c) e que poderá exercer o direito de resgaste do valor investido, mas somente depois de decorrido o prazo estabelecido em contrato, ou passados dois anos, no mínimo.
Recursos de fundos – O Marco Legal das Startups dispõe que empresas que possuam obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação poderão receber recursos de fundos patrimoniais e fundos de investimento em participações (FIP) para cumprir com seus compromissos, por meio de aportes diretos em startups ou em programas de financiamento e aceleração do setor.
Sandbox – Trata-se da possibilidade de que órgãos reguladores e entidades da Administração Pública, como ANVISA e ANATEL, afastem temporariamente determinadas normas exigidas paras tais empresas. O funcionamento do sandbox deverá estabelecer os critérios para a seleção ou qualificação da startup, a duração, as normas abrangidas e o alcance da suspensão da incidência delas. O objetivo é desburocratizar a criação de negócios e tecnologias experimentais, permitindo um procedimento facilitado para obter autorização temporária dos órgãos reguladores e desenvolver modelos de negócios inovadores.
Licitações, programas e editais – Por fim, outra novidade é a opção de contratação de soluções inovadoras pelo Estado. Em síntese, as startups poderão participar de licitações em modalidade especial, ficando dispensada a apresentação de documento de regularidade fiscal e a prestação de garantia no momento da contratação. Após o processo licitatório, será celebrado Contrato Público para Solução Inovadora – CPSI, com vigência de 12 meses, prorrogável por igual período sem a necessidade de nova licitação. Na mesma lógica, as empresas com obrigação de investimento em pesquisa e inovação também poderão aplicar seus recursos em startups selecionadas por meio de programas, editais ou concursos gerenciados por instituições públicas.
Com a proposta tramitando no Senado, entidades do setor têm enviado sugestões de ajustes para melhoria do projeto a ser aprovado, principalmente com relação à necessidade de um maior alívio tributário para os investidores. A título de exemplo, em ofício conjunto da Fecomércio (Federação do Comércio do Estado de Goiás) e outras entidades, foi sugerido a modificação de quatro pontos, quais sejam:
i) Reconhecimento mercantil – e não remuneratório – das opções de compras de ações, de forma que a tributação sobre as startups não incida como remuneração sobre a concessão das stock options, como está no texto atual, minimizando o aumento da carga tributária;
ii) Equiparação tributária entre os investimentos em startups e de outros tipos – como fundos imobiliários ou em empresas que estão na Bolsa de Valores que são isentos de tributação como renda fixa.
iii) Reconhecimento das startups dentro do regime do Simples Nacional, sob a forma de sociedades limitadas quando em decorrência da compra de quotas dessas empresas, ou da conversão em quotas de instrumento de dívida.
iv) Retirada da limitação de que apenas S/As de até 30 acionistas utilizem livros digitais, tendo em vista que é comum startups receberem aportes de vários investidores.
A expectativa é de que o projeto seja aprovado em breve pelos senadores e que siga para sanção presidencial. Sem dúvidas, o Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo inovador fomentará oportunidades para empreendedores e investidores, representando um avanço para o crescente mercado de startups brasileiro. Os benefícios para o país poderão ser vistos em um futuro próximo, quando as soluções inovadoras advindas destas empresas ganharem destaque no mercado nacional e, até mesmo, mundial.
[1] Gabriella Valente é graduanda em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e Trainee na área de startups e negociações complexas na Romanhol Advogados.