Resumo: Quais os principais cuidados que uma empresa ou um particular devem observar ao pretender contratar com o Poder Público? O objetivo deste artigo é fazer um aparato não exaustivo das questões contratuais mais relevantes em transações com o setor público, demonstrando que as peculiaridades das regras que envolvem as mesmas demandam planejamento dos interessados em negociar com esse setor.
Contratar com o Administração Pública é vontade de muitas empresas privadas, em razão do grande vulto financeiro que geralmente envolve os contratos administrativos, em especial os atinentes às obras e serviços de engenharia, bem como da certeza de solvência estatal para adimplemento da contraprestação pecuniária.
Para ser firmado um contrato administrativo, ou seja, um contrato com o Poder Público, o ordenamento jurídico brasileiro exige, em regra, a realização de um procedimento licitatório, a fim de possibilitar ampla participação dos interessados que cumprirem os requisitos legais e editalícios, porquanto trata-se de dispêndio de dinheiro público, o qual deve observar, especialmente, os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Ocorre que nem tudo são flores na vida dos particulares e empresários licitantes, considerando que os recursos para o pagamento do serviço prestado ou produto fornecido derivam dos cofres públicos, e a realização de despesas pelo Estado é burocraticamente protegida pela legislação.
Nesse sentido, é importante que os particulares, interessados em licitar com o setor público, avaliem algumas situações jurídicas e econômicas antes de ingressar nesta jornada licitatória, que é almejada por muitos e ojerizada por alguns.
A primeira questão a ser levada em conta, quando da pactuação com o Estado, é de que os contratos administrativos possuem a natureza de contratos de adesão, ou seja, nesta relação jurídica não se admite qualquer rediscussão ou alteração de cláusulas contratuais.
Isso decorre de dois relevantes princípios no Direito Administrativo, quais sejam: o princípio da supremacia do interesse público, onde os interesses da sociedade devem prevalecer diante das necessidades específicas dos indivíduos[1], e o princípio da indisponibilidade do interesse público, que define os limites de atuação administrativa e estabelece critérios de conduta ao administrador público.[2]
Portanto, embora lucrativa, a relação negocial com o Poder Público é desigual desde o nascedouro, pois, primeiro se protege o interesse dos administrados para só então se adentrar às tratativas que versam sobre os interesses privados do contratado.
Nesse sentido, o interessado em licitar também deve ter em mente que em razão da supremacia do interesse público, nos contratos com a Administração existem cláusulas que extrapolam regras comuns dos contratos em geral, que são as chamadas cláusulas exorbitantes.
Tais cláusulas, mesmo sem estarem previstas no bojo do instrumento contratual, são implícitas em todos os contratos administrativos por derivarem da Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações), que prevê, em seu artigo 58:
i) a possibilidade de modificação ou rescisão unilateral do contrato pelo Poder Público;
ii) a fiscalização da execução do objeto contratado, inclusive nas dependências da empresa contratada;
iii) a prerrogativa de aplicação de sanções administrativas pelo descumprimento total ou parcial do contrato, que vão desde a aplicação de advertência e multa até a proibição de contratação com o Poder Público por prazo determinado; e
iv) a ocupação temporária de bens particulares para a continuidade do serviço público essencial, em caso de afastamento do contratado para apuração de responsabilidades contratuais.
Assim, o licitante em potencial também deve avaliar com muita cautela todas as exigências previstas no edital do procedimento licitatório, em especial aquelas atinentes à capacidade financeira necessária para a execução do contrato e às características do produto ou serviço licitado.
O princípio da vinculação ao instrumento convocatório preconiza a observância rigorosa e continuada das disposições do edital, tanto no âmbito da licitação quanto na fase de execução contratual. É comum que se diga que o edital faz “lei” entre as partes.
Sob o lastro da imperiosidade editalícia, a Administração Pública tem o poder de desclassificar os licitantes bem como de penalizar os particulares contratados.
Nesse contexto, é fundamental que as empresas projetem minuciosamente todos os custos envolvidos e disponha de capital de giro suficiente para arcar com eventuais atrasos no pagamento, fato bastante comum no âmbito do setor público.
Contratar com a Administração
Pública pode ser bastante interessante sob o ponto de vista
econômico-financeiro. No entanto, é necessário planejamento jurídico e
financeiro para que as contratadas consigam cumprir rigorosamente suas
obrigações e responder adequadamente às possíveis eventualidades que possam
ocorrer no percurso. As extensas responsabilidades por trás deste
negócio jurídico podem frustrar aqueles que têm pressa, e que estão acostumados
com a livre autonomia das partes tão suscitada no Direito Civil.
[1] CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 7ª ed. rev. atual. Juspodvm: Bahia, 2020. P. 64.
[2] Op. Cit.